segunda-feira, 29 de setembro de 2008

1939, os dias mais difíceis

Em 1939 Eberhard (Bêka) foi sozinho a Porto Alegre trabalhar na floricultura de Walter Winge.
Em 1941 seguiram a esposa Hildegard e os filhos Eberhard II, Mechthild e Gunther. Ulrich ficou em Ijuí, onde trabalhava na farmácia Schenk.

Logo após a mudança Eberhard foi convidado a passar uns dias às custas do governo federal, por causa do conflito Brasil Alemanha na II Guerra Mundial. Deixemos bem claro que Eberhard não simpatizava de modo algum com nacional socialistas, imperialistas ou comunistas. Saiu da Alemanha justamente por que não gostava de nenhuma destas ideologias.

Cordeiro de Farias, chefe do Estado Maior da 3ª Região Militar sediada em Porto Alegre foi nomeado interventor federal no Rio Grande do sul assumindo em 4 de março de 1938 e havia determinado a nacionalização de todas as escolas alemãs devido às tensões da II Guerra Mundial

Em seu discurso, o regime varguista estava acima de suspeitas. A polícia política movia-se por um terreno escorregadio e impreciso. Com o fechamento cada vez maior do sistema, a demanda pela manutenção da ordem crescia, bem como a ampliação da máquina policial e o seu poderio. Sua atuação baseava-se na “lógica da desconfiança”, a partir da qual procurava estabelecer ligações entre as informações obtidas, a fim de remontar as atividades dos suspeitos, para aí proceder a sua prisão. Investigava-se qualquer ato ou fato anormal, enquadrando o elemento a ele relacionado, nas categorias de suspeitos, forjadas no momento.
Nessa perspectiva, o indivíduo era potencialmente capaz de praticar um ato contra a nação, embora não o tenha realizado. Os suspeitos ficavam sob a vigilância policial. No caso dos alemães/descendentes residentes no Rio Grande do Sul, carregavam como crime a “cidadania alemã”/origem alemã e, portanto, eram considerados potencialmente propensos a se tornarem nazistas, representando um perigo à segurança nacional. Se o quadro era esse, depois de 1942 tornara-se mais crítico. Com a declaração de guerra à Alemanha, a Polícia Política não esperava mais por concluir seu trabalho de observação, recolhendo provas de culpabilidade. Desde que pairassem suspeitas sobre um ‘elemento’, este poderia ser recolhido e detido para averiguações, ficando à disposição da Chefia de Polícia. Respondendo a um telegrama, o interventor interino do estado, Miguel Tostes, informava ao ministro da Justiça, Marcondes Filho, em 7 de outubro de 42:
Cidadãos alemães referidos despacho anexo foram presos e recolhidos a Colônia Penal General Daltro Filho. Mais tarde foram posto em liberdade por conclusão de pena e em virtude alvarás de soltura do Tribunal Segurança Nacional. Após declaração Estado de Guerra foram novamente recolhidos aquele estabelecimento, como medida segurança política, pois trata-se elementos considerados perigos em razão atividades sempre desenvolveram.
Dessa forma, construiu-se uma imagem idealizada do espião e partidário nazista fundamentada na grande quantidade de material apreendido, iconográfico, literatura, bandeiras, cartazes, toalhas com inscrições, etc. Esse material também serviria para a exposição formada na sede policial, bem como para a publicação dos relatórios de Py.[i]
Se a ameaça era constante, a repressão policial liderada pela Chefia de Polícia, com o apoio do interventor, era mais eficiente e enérgica, desmantelando qualquer projeto de ameaça à ordem. Cordeiro de Farias assegurava que
a vigilância pública conhece-lhe os passos, as intenções e os objetivos, mesmo aqueles que o monstro entende de maior sigilo. [...] estamos prevenidos contra a técnica e os métodos de confusão adotados pelo nazismo. No Rio Grande a víbora não mais levantará a cabeça. Estamos seguros de tudo. Auxiliados pelo interesse popular, não nos alarmamos e nem nos atemorizamos com os boatos.[ii]

O segredo constituía sua arma mais poderosa: os policiais supostamente eram guardiões de informações comprometedoras sobre toda a população/instituições, que poderiam vir à tona a qualquer momento. Essa tática gerava o medo, o terror, a obediência e a submissão à sua autoridade.
[i] PY, op. cit., [1940], p. 7. No Rio Grande do Sul, a Polícia organizou o “museu do nazismo”, para o qual recolhia todo o material apreendido. No Rio de Janeiro, também ocorrera uma exposição em março de 1942, no Palácio da Polícia Civil, com o produto das apreensões. Sobre a ação nazista no país, Filinto Müller dizia: “já que fora desfechada uma ofensiva de sombra, a polícia carioca organizou uma defensiva atrás dos bastidores” (Correio do Povo, 16/abr./1942, nº 89, p. 12.
[ii] Correio do Povo, 7/ jan./1942, nº 5, p. 5.
[i Telegrama 632, enviado por Miguel Tostes a Marcondes Filho. Correspondência enviada no segundo semestre de 1942. CG, M 149, AHRS. Fonte: Rosane Marcia Neumann em http://www.cce.udesc.br/cem/simposioudesc/anais/st3/st3rosane.doc

Hildegard ficou desesperada, sem ter como sustentar a família: wir haben nichts zu essen! Mas Gunther a consolou: wir leben aber noch. (Hildegard: não temos o que comer. Gunther consolando sua mãe: mas ainda estamos vivos.)
Gunther conta que um vizinho anônimo, de origem italiana, deixava ao alcance da cerca cestas de verdura. Outro vizinho, anglo-americano, mandava diariamente uma cesta de uvas (anonyme Nachbarn halfen mit Gemüse und Trauben, die sie über den Zaun stehen liessen).
Rua Dr. Mário Totta 958, bairro Tristeza, Porto Alegre, Brasil



Outro relato de Gunther:

Autoridades informaram ao Eberhard que sua esposa Hildegard, seu filho Eberhard (Ebi), sua filha Mechthild (Tilli) e seu filho caçula Gunther (Heimück) foram assassinados. É isso mesmo: disseram ao pai, já angustiado, que sua família fora dizimada.

Eberhard só repetia: "Sorte do Uli ter permanecido em Ijuí, como aprendiz na Farmácia Schenk & Geis" Este era o único pensamento que ainda o mantinha de pé.

Só duas semanas depois descobriu quase sem acreditar no que via: Gunther, seu filho caçula, estava diante dele! Haviam lhe pregado uma peça de péssimo gosto.

Im Gefängnis informierten die Behörden dass Hildegard, Sohn Eberhard (Ebi), Tochter Mechthild (Tilli) und Sohn Gunther (Heimück) ermordet wurden, woran er zwei Wochen lang glaubte. „Zum Glück war Uli in Ijuí bei der Apotheke Schenk & Geis als Lehrling geblieben“ Dieser Gedanke erhielt ihn aufrecht.

Eberhard Sydow jamais defendeu ideologia fascista "nacional-socialista". Se imigrou para o Brasil foi justamente para escapar dos conflitos ideológicos entre comunistas e nacional-socialistas em que tentavam envolvê-lo na Alemanha.

Mesmo assim a ditadura Vargas (ou Estado Novo: golpe de 10 de novembro de 1937 a 29 de outubro de 1945), através do DEOPS, confiscou Documentos e Literatura em língua alemã

Interessava ao governo brasileiro um cidadão que se sentisse "pertencente ou vinculado ao Estado brasileiro e não ao III Reich”; um indivíduo que venerasse Getúlio Vargas como líder político e não Adolf Hitler que, apesar destas tensões político-sociais, prestava-se como um modelo de estadista para aqueles países que viam no fascismo uma solução para os problemas da nação. Esta primeira etapa da repressão deve, portanto, ser interpretada sob o prisma do nacionalismo e da xenofobia sustentados pelo Estado autoritário interventor que, com base nas leis de nacionalização, legitimou seus sentimentos xenófobos e racistas.
Entre 1938-1942, o alemão, porém, não era visto como um perigo ideológico pela divulgação do ideário nazista e sim um perigo “étnico”, visto como “alienígena” ao “Homem Novo” que se desejava construir. A partir de 1942, com a entrada do Brasil na II Guerra Mundial ao lado dos Aliados, este perigo ganha uma nova dimensão, transformando-se em “militar e ideológico”. O alinhamento brasileiro ao lado dos Aliados redefiniu uma série de posturas e atitudes dos órgãos de repressão. O estado de neutralidade não permitia certos tipos de coação / repressão. Este caráter “neutro” permitiu inclusive que o próprio cônsul alemão em São Paulo, Walter Molly, se dirigisse pessoalmente ao DEOPS com o intuito de denunciar a atividade de propaganda anti-germânica e os policiais do DEOPS não só apuraram a denúncia, mas apreenderam o material em questão.
A repressão aos nazistas na Era Vargas carrega em seu cerne uma contradição: como pôde um governo que teve como modelo os regimes nazi-fascistas em um determinado momento passar a perseguir os nazistas? Esta resposta só pode ser esclarecida se observarmos a questão sob o prisma das relações internacionais entre o Brasil e os países ligados ao Eixo e aos Aliados, em especial, à Alemanha e aos Estados Unidos.
O Brasil, que passou a maior parte do tempo neutro no conflito internacional da II Guerra Mundial, teve que definir em um determinado momento uma postura clara. E neste momento, que seria o ano de 1942, ele tomou a posição de ser pró-aliados. Somente dentro da perspectiva de um Brasil finalmente posicionado a favor dos Aliados no conflito mundial da II Guerra, os nazistas e os demais cidadãos considerados “súditos do eixo” passaram a ser considerados inimigos militares e por conseqüência, alvo das ações de vigilância e perseguição da polícia política.

Anna Maria Dietrich é Doutora em História Social pela Technische Universität Berlin e pela USP (2007) disponível em <http://74.125.45.104/search?q=cache:y9SkP8IOIkAJ:oglobo.globo.com/blogs/arquivos_upload/2008/06/110_258-suasticas.doc+Imigrantes+alem%C3%A3es+presos+1941&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br>

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